A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi encaminhada novamente ao Congresso Nacional em fevereiro deste ano. Esta convenção em vários artigos cria entraves à demissão sem justa causa. Entre eles o empregador tem de se justificar junto ao sindicato da categoria apresentando motivos econômicos ou estruturais para a dispensa.
O Congresso Nacional deverá analisar o texto do ato mediante um projeto de decreto legislativo que é deliberado por maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Se aprovado o Congresso editará o decreto legislativo que aprovará o texto do ato internacional. O presidente da República deverá então promulgar o ato internacional mediante um decreto presidencial.
Vale lembrar que o texto da Convenção nº 158 da OIT havia sido aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 68 de 16 de setembro de 1992. Então presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou a convenção mediante o Decreto nº 1.855 de 10 de abril de 1996. Em dezembro do mesmo ano porém depois de muitos debates na sociedade sobre o tema o governo voltou atrás e editou o Decreto nº 2.100 tornando pública a denúncia da convenção.
Sem entrar no mérito quanto aos procedimentos exigidos para a nova ratificação pelo governo brasileiro a discussão que se impõe é a respeito da viabilidade de aplicação das normas da Convenção nº 158 nas relações de trabalho no Brasil em especial aquelas referentes à proteção contra as chamadas dispensas arbitrárias.
A Constituição Federal em seu artigo 7º inciso I estabelece que a relação de emprego será protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória dentre outros direitos. Portanto está claro que nossa Constituição exige lei complementar para regulamentar as dispensas arbitrárias ou sem justa causa e não veda tais demissões exigindo apenas na hipótese de sua ocorrência o pagamento de indenização compensatória dentre outros direitos.
Até que se promulgue essa lei complementar valem os mecanismos para a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa dispostos no artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias como a elevação para 40% da multa sobre o total de depósitos na conta vinculada do Fundo de Garantia Sobre Tempo de Serviço (FGTS). O artigo enumera ainda as dispensas que são vedadas ou seja a do empregado eleito para os cargos de direção das comissões internas de prevenção de acidentes (CIPAs) e a da empregada gestante.
Logo dois são os aspectos que tornam de duvidosa eficácia a medida pretendida pelo governo de proteger a relação de emprego contra as dispensas arbitrárias. O primeiro deles diz respeito ao requisito constitucional de edição de lei complementar para essa finalidade que certamente não estará preenchido com a entrada em vigor das normas da Convenção nº 158 da OIT em nosso ordenamento jurídico já que se isso ocorrer da forma proposta pelo governo terá natureza de lei ordinária.
O outro aspecto igualmente relevante se relaciona com a norma constitucional que não veda dispensas arbitrárias. Dessa forma a aplicação da regra prevista no artigo 4 da convenção – Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa estabelecimento ou serviço. – está fadada a ser declarada inconstitucional seja pelo não preenchimento do requisito formal para a edição de norma que vise a regulamentação dessa garantia seja pela incompatibilidade da regra com a norma constitucional vigente que trata do tema.
O tema não é novo para os tribunais trabalhistas do país. Em outubro do ano passado por exemplo foi publicada na edição do Diário da Justiça do dia 26 uma decisão da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em um recurso de revista (744.878/2001.0) na qual se apontava a ineficácia da Convenção nº 158 e se lembrava a controvérsia criada há mais de dez anos. Em dado momento a decisão diz: A Constituição Federal de maneira indiscutível (artigos 7º I e 10 I do ADCT) estabelece a via pela qual há de se estabelecer a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa assim como os mecanismos de reparação respectivos: a Lei Complementar. (…) Se a proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa é matéria limitada à lei complementar somente a lei complementar gerará obrigações legítimas. Como rudimentar exigência de soberania não se pode admitir que norma inscrita em tratado internacional prevaleça sobre a Constituição Federal. Conclui-se portanto que a iniciativa do governo federal é uma medida inoportuna que servirá apenas para tumultuar o relacionamento das empresas com a classe trabalhadora caso venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional.
Fonte: Valor Econômico