‘Por muitos anos uma dúvida pairou sobre o Judiciário e retardou o acesso de vítimas à reparação por danos morais: é possível quantificar financeiramente uma dor emocional ou um aborrecimento? A Constituição de 1988 bateu o martelo e garantiu o direito à indenização por dano moral. Desde então magistrados de todo o país somam dividem e multiplicam para chegar a um padrão no arbitramento das indenizações. O Superior Tribunal de Justiça tem a palavra final para esses casos e ainda que não haja uniformidade entre os órgãos julgadores está em busca de parâmetros para readequar as indenizações. Algumas decisões já mostram qual o valor de referência a ser tomado em casos específicos.
O assunto foi abordado em reportagem especial publicada pela Assessoria de Imprensa do STJ neste domingo (13/9). Segundo o texto o valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ sob a ótica de atender uma dupla função: reparar o dano para minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que o fato não se repita. Como é vedado ao Tribunal reapreciar fatos e provas e interpretar cláusulas contratuais o STJ apenas altera os valores de indenizações fixados nas instâncias locais quando se trata de quantia tanto irrisória quanto exagerada.
A dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento se reflete na quantidade de processos que chegam ao STJ para debater o tema. Em 2008 foram 11.369 processos que de alguma forma debatiam dano moral. O número é crescente desde a década de 1990 e nos últimos dez anos somou 67 mil processos só no Tribunal Superior.
O ministro Luis Felipe Salomão integrante da 4º Turma e da 2º Seção do STJ é defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal para que nas causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos — por analogia a alçada dos Juizados Especiais — o recurso ao STJ seja barrado. “A lei processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é uma distorção em desprestígio aos tribunais locais” critica o ministro.
Subjetividade
Quando analisa o pedido de dano moral o juiz tem liberdade para apreciar valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas partes. De acordo com o ministro Salomão não há um critério legal objetivo e tarifado para a fixação do dano moral. “Depende muito do caso concreto e da sensibilidade do julgador” explica. “A indenização não pode ser ínfima de modo a servir de humilhação à vítima nem exorbitante para não representar enriquecimento sem causa” explica.
Para o presidente da 3º Turma ministro Sidnei Beneti essa é uma das questões mais difíceis do Direito brasileiro atual. “Não é cálculo matemático. Impossível afastar um certo subjetivismo” avalia. De acordo com o ministro Beneti nos casos mais frequentes considera-se quanto à vítima o tipo de ocorrência (morte lesão física ou deformidade) o padecimento da própria pessoa e dos familiares circunstâncias de fato (como a divulgação maior ou menor) e consequências psicológicas de longa duração para a vítima.
Quanto ao ofensor considera-se a gravidade de sua conduta ofensiva a desconsideração de sentimentos humanos no agir suas forças econômicas e a necessidade de maior ou menor valor para que a punição tenha efeito pedagógico e seja um desestímulo efetivo para não se repetir ofensa.
Tantos fatores para análise resultam em disparidades entre os tribunais na fixação do dano moral. é o que se chama de “jurisprudência lotérica”. O ministro Salomão explica: para um mesmo fato que afeta inúmeras vítimas uma Câmara do Tribunal fixa um determinado valor de indenização e outra Turma julgadora arbitra em situação envolvendo partes com situações bem assemelhadas valor diferente. “Esse é um fator muito ruim para a credibilidade da Justiça conspirando para a insegurança jurídica” analisa o ministro do STJ. “A indenização não representa um bilhete premiado” diz.
Como instância máxima de questionamentos envolvendo legalidade o STJ definiu algumas quantias para determinados tipos de indenização. Um dos exemplos são os casos de morte dentro de escola cujo valor de punição aplicado é de 500 salários mínimos. Quando a ação por dano moral é movida contra um ente público cabe às turmas de Direito Público do STJ o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da 2º Seção a 2º Turma vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu no julgamento do Recurso Especial 860.705 relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos pais que entre outros pontos tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500 salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola por um disparo de arma. A 2º Turma fixou o dano a ser ressarcido pelo Distrito Federal seguindo o teto padronizado pelos ministros.
O patamar no entanto pode variar de acordo com o dano sofrido. Em 2007 o ministro Castro Meira levou para análise também na 2º Turma um recurso do estado do Amazonas que havia sido condenado ao pagamento de R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em primeira instância a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos mas o tribunal local reduziu o valor destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$ 50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor já que devido às circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família não considerou o valor exorbitante nem desproporcional (REsp 932.001).
Já os incidentes que causem paraplegia na vítima motivam indenizações de até 600 salários mínimos segundo o tribunal. A subjetividade no momento da fixação do dano moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso analisado pela 2º Turma do STJ em 2004 a Procuradoria do estado do Rio Grande do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da indenização a que havia sido condenada.
Feito refém durante um motim o diretor-geral do hospital penitenciário do Presídio Central de Porto Alegre acabou paraplégico em razão de ferimentos. Processou o estado e em primeiro grau o dano moral foi arbitrado em R$ 700 mil. O Tribunal estadual gaúcho considerou suficiente a indenização equivalente a 1.300 salários mínimos. Ocorre que em caso semelhante — paraplegia — o Tribunal de Justiça de Minas Gerais fixou em 100 salários mínimos o dano moral. Daí o recurso ao STJ.
A 2º Turma reduziu o dano moral devido à vítima do motim para 600 salários mínimos (Resp 604.801) mas a relatora do recurso ministra Eliana Calmon destacou dificuldade em chegar a uma uniformização já que há múltiplas especificidades a serem analisadas de acordo com os fatos e as circunstâncias de cada caso.
Passado o choque pela tragédia é natural que as vítimas pensem no ressarcimento pelos danos e busquem isso judicialmente. Em 2002 a 3º Turma fixou em 250 salários mínimos a indenização devida aos pais de um bebê de São Paulo morto por negligência dos responsáveis do berçário (Ag 437968). Assim foi fixado o limite de 250 salários para os casos de morte de filho no parto.
Caso semelhante foi analisado pela 2º Turma neste ano. Por falta do correto atendimento durante e após o parto a criança ficou com sequelas cerebrais permanentes. Nesta hipótese a relatora ministra Eliana Calmon decidiu por uma indenização maior tendo em vista o prolongamento do sofrimento.
“A morte do filho no parto por negligência médica embora ocasione dor indescritível aos genitores é evidentemente menor do que o sofrimento diário dos pais que terão de cuidar diuturnamente do filho inválido portador de deficiência mental irreversível que jamais será independente ou terá a vida sonhada por aqueles que lhe deram a existência” afirmou a ministra em seu voto. A indenização foi fixada em 500 salários mínimos (Resp 1.024.693).
O STJ reconheceu a necessidade de reparação a uma mulher que teve sua foto ao lado de um noivo publicada em jornal do Rio Grande do Norte noticiando que se casariam. Na verdade não era ela a noiva pelo contrário ele se casaria com outra pessoa. Em primeiro grau a indenização foi fixada em R$ 30 mil mas o Tribunal de Justiça potiguar entendeu que não existiria dano a ser ressarcido já que uma correção teria sido publicada posteriormente. No STJ a condenação foi restabelecida (Resp 1.053.534) a R$ 30 mil limite então pacificado para casos de fofoca social.
Um cidadão alagoano viu uma indenização de R$ 133 mil minguar para R$ 20 mil quando um caso de protesto indevido de seu nome chegou ao STJ. Sem nunca ter sido correntista do banco que emitiu o cheque houve protesto do título devolvido por parte da empresa que o recebeu. Banco e empresa foram condenados a pagar cem vezes o valor do cheque de R$ 1.333. Houve recurso e a 3º Turma reduziu a indenização. O relator ministro Sidnei Beneti levou em consideração que a fraude foi praticada por terceiros e que não houve demonstração de abalo ao crédito do cidadão (Resp 792.051).
Outra situação com limite pré-estabelecido é o disparo indevido de alarme antifurto nas lojas. Já noutro caso no ano passado a 3º Turma manteve uma condenação no valor de R$ 7 mil por danos morais devido a um consumidor do Rio de Janeiro que sofreu constrangimento e humilhação por ter de retornar à loja para ser revistado. O alarme antifurto disparou indevidamente. Para a relatora do recurso ministra Nancy Andrighi foi razoável o patamar estabelecido pelo Tribunal local (Resp 1.042.208). Ela destacou que o valor seria inclusive menor do que em outros casos semelhantes que chegaram ao STJ. Em 2002 houve um precedente da 4º Turma que fixou em R$ 15 mil indenização para caso idêntico (Resp 327.679).
Há casos porém que o STJ considera as indenizações indevidas. O STJ firmou jurisprudência no sentido de que não gera dano moral a simples interrupção indevida da prestação do serviço telefônico (Resp 846273) por exemplo.
Fonte: Conjur’