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O fato de haver uma contribuição específica para financiar a previdência faz com que surja de maneira inquestionável a ideia de déficit. Provavelmente se houvesse uma contribuição para (a função) Relações Exteriores ouvir-se-ia falar do déficit do Itamaraty.
Outra vertente diz que o montante gasto em previdência poderia ter usos mais nobres. De fato isto é sempre assim. Decidir sobre a melhor alocação constitui a essência do compromisso político e a marca de um governo o que raramente conta com aprovação unânime.
Entre 2007 e 2009 a maior parte do assim denominado déficit previdenciário (87%) originou-se das aposentadorias do setor rural uma política de não se desamparar aquelas pessoas mesmo não sendo elas contribuintes em sua plenitude. é portanto uma decisão de conteúdo assistencial e desde que tais despesas estejam orçadas não há problema para as finanças públicas.
A aposentadoria rural é uma das vertentes assistencialistas a explicar o déficit previdenciário cuja força de impacto tem sido potencializada pela elevação do salário mínimo em percentuais superiores àqueles da inflação (INPC). Tivemos aí a partir de 2004 um dos principais vetores da distribuição exógena de renda ao qual não há contestação embora haja rejeição unânime ao déficit da previdência. Chega a parecer que os dois movimentos sejam independentes.
Qual teria sido a participação dessa política social (elevação real do mínimo) sobre o déficit da previdência? No quadro abaixo a coluna Economia (previdenciária) resulta da diferença entre o valor dos benefícios efetivamente pagos e aquele valor que seria pago caso os benefícios na faixa até um salário mínimo tivessem sido corrigidos pelo INPC (sem aumento real).
Como a elevação do valor real do mínimo é progressiva a participação da Economia (coluna a) no déficit previdenciário total (b) é crescente e atinge 837% em 2010. Para deixar claro R$ 353 bilhões é o montante adicional de despesa previdenciária em 2010 explicado pelo aumento real do mínimo. Se não tivesse havido a política social de aumento real do mínimo as despesas previdenciárias teriam sido R$ 353 bilhões menores. Ou seja o déficit previdenciário cairia para R$ 69 bilhões (o que seria atribuível à aposentadoria rural).
A regra de atualização do mínimo segue a variação do PIB nominal (com defasagem). Portanto como a arrecadação fiscal cresce com a renda haveria um hedge para o déficit e bastaria ajustar o hiato presente de recursos. A esse respeito enquanto a renda crescia a taxas expressivas a coluna (b/c) mostra o ciclo da relação déficit/PIB. Vale dizer o reajuste salarial não tem sido compensado. Ademais não há razão para se crer na estabilidade da regra de reajuste do salário mínimo.
Os pagamentos feitos pelo Ministério da Previdência (MPAS) têm superado as receitas correspondentes. Isto nada obstante não autoriza adjetivar o déficit criado como previdenciário uma vez que a origem do problema é assistencial.
Nessa circunstância criar uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição significa abrir espaço para se acelerar a elevação real do salário mínimo e/ou de outras despesas assistenciais no âmbito do MPAS. Mais importante não há qualquer preocupação com segurança jurídica no contrato estabelecido tacitamente entre o contribuinte e o Estado referente à sua aposentadoria por tempo de contribuição.
A pergunta final: nada há a fazer se a sociedade resolver gastar menos com previdência? Mantido o zelo pela questão contratual e identificados os valores assistenciais (para custeio mediante tributos gerais e não sobre a folha de pagamento) caberia elidir as aposentadorias por tempo de contribuição. Restaria ao MPAS a função de seguradora (cobertura dos impedimentos da capacidade laboral) e a de pagar uma renda de referência para aqueles em idade avançada. Neste quadro é evidente haveria uma redução expressiva nas alíquotas de contribuição uma vez que a previdência como essencialmente entendida estaria sendo privatizada.
Em suma a despesa previdenciária é fiscal o que remete esta matéria à preocupação geral com o equilíbrio das contas públicas. Com a meta fiscal atingida gastar mais ou menos no âmbito do MPAS é uma preocupação de natureza política. De toda forma não se explica a razão de os contribuintes do regime geral da previdência serem escalados como solidários principais para o ajuste fiscal como o foram ao serem tributados pelo fator previdenciário.
Por fim as iniciativas de reforma sempre propuseram fazer mais do mesmo apenas reduzindo a intensidade. Não funcionou.
*Artigo de Felipe Ohana economista e consultor. fohana@terra.com.br
Fonte: Valor Econômico
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