‘Semana passada saiu o pacote de estímulo fiscal de US$ 787 bilhões com que o governo Obama espera reaquecer a economia americana. Quase simultaneamente o presidente dos EUA apresentou o plano de apoio às famílias com dificuldade para pagar as prestações da casa própria em um total de mais US$ 275 bilhões de ajuda pública. Nem essas medidas somando mais de um trilhão de dólares (com que facilidade se passou a falar de trilhões de dólares!) de gastos bastaram para melhorar a confiança dos investidores que fugiram das ações – o S&P bateu no menor patamar em 11 anos – e correram para ativos seguros como o ouro cujo preço passou outra vez de mil dólares a onça.
Ajudaram nessa reação a bateria de indicadores econômicos ruins – inclusive no Brasil onde o mercado de trabalho piora com rapidez – e a preocupação com a saúde dos bancos cujas ações lideraram a queda nas bolsas. Tudo isso dá razão ao presidente do Fed o Banco Central (BC) americano que há um mês alertou que o pacote fiscal sem a companhia de uma solução para os problemas do setor financeiro seria insuficiente para estancar a crise.
Nesse sentido continua pesando o malsucedido anúncio pelo secretário do Tesouro Tim Geithner do plano americano para o setor. O plano tem quatro vertentes: a criação de um fundo público-privado para adquirir papéis pouco líquidos e de baixa qualidade dos bancos; a ampliação do programa do Fed de compra de dívida privada para ampliar o crédito na economia; a ajuda às famílias com dificuldades de pagar suas hipotecas agora detalhada por Obama; e a realização de testes de estresse para avaliar a solvência dos grandes bancos e dependendo dos resultados capitalizá-los com recursos públicos cujas linhas mestras foram apresentadas esta semana.
O plano foi considerado insuficiente: no total de recursos anunciados; no detalhamento de como resolver problemas difíceis como a precificação dos ativos a serem comprados e os incentivos a serem dados aos investidores privados para participar desse fundo; e na ambição de dar uma solução definitiva aos bancos que todos acreditam estar insolventes. Nesse sentido lembrou as seguidas medidas anunciadas pelo governo Bush que impediram a quebra do sistema mas à custa da sobrevivência de alguns bancos como verdadeiros zumbis morto-vivos que não emprestam. Tudo isso lembrou a crise japonesa e a ameaça de que os EUA também levem uma década para superar as atuais dificuldades. Ou pior.
Desde então ganha força a ideia de estatizar temporariamente os bancos americanos que sejam grandes demais para quebrar e estejam fracos demais para sobreviver com sua atual estrutura de capital. Vários países europeus já adotaram essa estratégia: Islândia Irlanda Inglaterra Bélgica e provavelmente em breve a Alemanha onde o governo tenta estatizar o Hypo Real Estate (HRE). Alguns senadores já defenderam publicamente a ideia. Semana passada foi a vez de Alan Greenspan ex-presidente do Fed para quem uma vez a cada 100 anos é necessário fazer algo assim. Os testes de estresse podem ser a chave para seguir por aí sem que essa pareça uma decisão ideológica.
São pelo menos quatro as vantagens da estatização: tranquilizar definitivamente o mercado quanto à solvência dos bancos estatizados; evitar o difícil problema de determinar um preço pelo qual o setor público compraria ativos podres dos bancos; permitir um processo mais ordenado de desalavancagem financeira mantendo um maior volume de crédito na economia e facilitando em especial a renegociação de hipotecas; e penalizar os acionistas e gestores que levaram as instituições a essa situação como ocorreu com o Proer no Brasil dando os incentivos corretos para evitar que essa experiência se repita no futuro.
Por outro lado a estatização também tem desvantagens:
O Tesouro provavelmente assumirá um maior volume de dívidas incluindo contratos de derivativos e socorrerá credores que também deveriam ser penalizados gerando um maior ônus para o contribuinte;
Os bancos podem acabar ficando muito mais tempo sob controle estatal do que inicialmente planejado inclusive pela dificuldade de vários governos privatizarem grandes bancos em pouco tempo comprometendo a inovação financeira e o crescimento econômico. Como observou Milton Friedman não há nada mais permanente do que um programa governamental temporário.
Há nós legais que precisariam ser desatados antes da estatização como ilustra o caso do HRE. Na prática a implementação da estatização será muito mais difícil do que na teoria e haverá riscos consideráveis sobre o seu resultado final e seus impactos sobre a economia.
Há um sério risco de contágio: uma vez estatizados um ou dois grandes bancos o problema pode passar a outros conforme investidores e credores absorvam as perdas (por exemplo os acionistas nos bancos estatizados) e transfiram recursos e apostas entre instituições. Não apenas os bancos mas também seguradoras e fundos de pensão podem sofrer. A estatização pode acabar sendo bem mais ampla do que inicialmente previsto.
Uma vez colocada na mesa de discussão a estatização pode se tornar rapidamente inevitável como sugerido pelo comportamento do mercado financeiro na semana passada. Talvez por isso o governo americano – em especial o secretário do Tesouro (Os governos são péssimos gestores de ativos ruins) e o presidente do Fed – tem se apressado em negar que seja essa sua intenção. No final qualquer que seja a alternativa escolhida para resolver o problema de insolvência dos bancos americanos (e europeus) é preciso ter em mente que ela vai custar caro aos contribuintes nesta e nas próximas gerações. Esse custo se somará às crescentes despesas com previdência saúde e atenção aos idosos conforme a população desses países envelhece. Isso significará cargas tributárias mais altas e menor crescimento econômico. Por isso o mundo precisa encontrar outros polos de dinamismo ou a economia global entrará numa longa fase de fraco desempenho.
Artigo de Armando Castelar Pinheiro analista da Gávea Investimentos e professor do IE – UFRJ.
Fonte: Valor Econômico
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