‘SãO PAULO – O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra da Silva Martins Filho prevê que três milhões de ações trabalhistas devem ingressar na Justiça em todo o País este ano. Se a previsão se confirmar o volume representará um aumento de quase 13% em relação a 2015 quando as Varas do Trabalho receberam 266 milhões de novos casos. Esse montante já havia representado um avanço de 51% na comparação com 2014 segundo dados do TST.
O aumento é reflexo direto da crise econômica segundo o ministro. As demissões têm feito com que profissionais aumentem a cobrança de direitos devidos. No ano passado o País perdeu 15 milhão de postos de emprego segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A taxa de desocupação atingiu 109% no trimestre encerrado em março com a marca de 111 milhões de desempregados. "O tsunami vai chegar até nós" alerta o ministro.
E o aumento de novos processos segundo ele deve se somar a outro problema: a redução de 90% nas despesas de investimento e de 294% nas de custeio no orçamento de 2016 para a Justiça do Trabalho. "O impacto é tão grande que se não conseguirmos reverter o corte a partir de setembro vários tribunais não terão como operar" diz.
Em São Paulo segundo a desembargadora e presidente do TRT da 2º Região Silvia Devonald o efeito pode ser reduzir os horários de funcionamento do órgão. "Nós estamos passando por um período muito ruim. Talvez tenhamos de diminuir o horário de expediente e já estamos pensando em outras medidas que poderão causar prejuízo no andamento dos processos."
Cobrança de verbas rescisórias pagamento de horas extras adicional de insalubridade e recolhimento do FGTS estão entre os principais motivos das ações nas varas
Procurado pela reportagem o Ministério do Planejamento confirmou o corte mas disse que a Justiça do Trabalho tem autonomia para priorizar suas programações orçamentárias. "é importante esclarecer que o Relatório de Avaliação do Primeiro Bimestre de 2016 não indicou contingenciamento para a Justiça do Trabalho" diz a nota.
Motivos. Cobrança de verbas rescisórias pagamento de horas extras adicional de insalubridade e recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) estão entre os principais motivos das ações nas varas. "No caso de hora extra empresas têm reduzido o número de funcionários e eventualmente sobrecarregado os outros que tinham um horário mais fixo" observa a advogada trabalhista Débora Arakak. No escritório onde ela é gerente a demanda de clientes por ações trabalhistas cresceu 22% em fevereiro deste ano na comparação com o mesmo mês de 2015.
Na opinião de Débora profissionais que foram demitidos recentemente e identificam a necessidade de cobrar algum direito tendem a entrar na Justiça de forma mais rápida do que antes da crise econômica. A estimativa da especialista é de que os empregados diminuíram de um ano para três meses o tempo para ingressar com uma ação.Os efeitos começaram a ser sentidos no escritório em outubro de 2015. "Antes o empregado estava menos preocupado com essa quantia (em dinheiro a ser ganho com uma ação) hoje a situação afeta o poder de compra dele que acaba agindo por detalhes que antes não o levariam à Justiça" diz. Mesmo empregados que ocupam cargos mais altos estão processando empresas. "O aumento das demissões tem demandando trabalho na Justiça até de um alto executivo que identifica algum pleito."
O aumento da informalidade em função do desemprego também causa efeitos no Judiciário. "A flexibilização dos direitos trabalhistas em épocas de crise como um empregador de pequena e média que sente mais a crise e acaba contratando de forma irregular por um período determinado tem gerado processos" analisa Débora. A advogada espera que o aumento no número de processos em função da crise se estenda até o segundo semestre de 2017 quando a economia pode demonstrar recuperação.
Na medida em que a empresa manda embora um funcionário e não paga salário e nem verbas rescisórias é porque alguma coisa está errada diz a desembargadora Silvia Devonald
Efeitos. O aumento de processos já vem sendo percebido. As Varas do Trabalho na primeira instância receberam 660.837 processos judiciais de janeiro a março de 2016 no País um aumento de 6% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Já nos Tribunais Regionais de São Paulo órgãos de segunda instância houve aumento de 49% no primeiro trimestre deste ano também ante o mesmo período de 2015. "Isso vem se mantendo desde o ano passado. Na medida em que a empresa manda embora um funcionário e não paga salário e nem verbas rescisórias é porque alguma coisa está errada" diz a desembargadora Silvia Devonald.
Na última instância porém o reflexo ainda não chegou. Nos três primeiros meses do ano o TST registrou o recebimento de 55.293 processos 204% a menos que no mesmo período de 2015. A redução de processos é efeito da Lei 13.015/2014 que restringiu a possibilidade de recursos à Corte superior.
"Os efeitos foram mascarados pela estatística a demanda está represada e vai desembocar aqui é impossível que todos os tribunais uniformizem a jurisprudência nesse tempo" disse Martins Filho. Pela lei os Tribunais Regionais devem definir a própria jurisprudência ao julgar casos semelhantes – evitando que haja acúmulo de julgamentos na instância maior.
O presidente do TST defende que a última instância deve ficar apenas com o julgamento de casos excepcionais para guiar os demais tribunais a adotar a mesma interpretação. Neste ano devem entrar na pauta do TST o julgamento de recursos referentes ao pagamento de hora extra a bancários e à cobrança por danos morais pela exigência de certidão de antecedentes criminais em empresas.
"Minha esperança é que este ano consigamos julgar mais rapidamente e ter tempo de estudar somente os processos com matérias relevantes e cumprir nossa missão existencial" diz. Ele defende que empresas e empregados priorizem acordos extrajudiciais. "O melhor caminho é a negociação e não bater às portas da Justiça."
Fonte: Estadão’