‘A recessão e as altas taxas de juros produzem um cenário devastador na economia e por consequência nas relações de trabalho. Gastou-se mais do que se arrecadou. Assim inevitavelmente será necessário fazer ajustes. O grande problema é que a variável de ajuste é sempre o assalariado.
Marcos Verlaine*
Já vimos este filme antes e por isto denunciamos. Os empresários e o mercado querem que o trabalhador pague a conta da crise. é sempre assim os ricos fazem o banquete se refestelam dividem os lucros e o que faltar encaminha-se para o trabalhador pagar. Esta é a lógica ou mentalidade dos ricos.
A crise vai se agudizando e já escolheram os assalariados — celetistas e servidores públicos — como variável de ajuste. Pelo andar da carruagem após as eleições municipais o governo federal vai para cima dos trabalhadores. Sabendo disso é extremamente importante que os movimentos sindical e social se preparem para enfrentar a crise e suas consequências.
Por esse motivo os juízes do Trabalho por meio de sua entidade de classe a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) chama a atenção que a crise econômica ‘não pode ser utilizada como pretexto’ para reformar a legislação trabalhista pela ótica da precarização das relações de trabalho.
A entidade afirma em nota que diante da ‘crise econômica’ exige-se ‘atenção prioritária em relação aos direitos sociais e trabalhistas e não a precarização desses em detrimento da solução dos problemas econômicos do Brasil.’
No mesmo documento a Anamatra demonstra preocupação particular com duas proposições em discussão no Congresso. Uma é o projeto que trata da terceirização (PLC 30/15) aprovado pela Câmara ora em discussão no Senado. A outra é a que trata da negociação direta entre patrões e empregados que eufemisticamente o patronato e seus representantes no Legislativo chamam de ‘negociado sobre o legislado’.
Mitigação de direitos
A terceirização geral segundo a Associação dos Magistrados ‘não representará a equiparação de direitos entre contratados diretamente e terceirizados como vem sendo divulgado; mas sim a ampliação da desigualdade hoje já vivida por mais de 12 milhões de trabalhadores contratados de forma indireta’.
é relevante lembrar sempre que os trabalhadores terceirizados são contratados com menos direitos em relação aos contratados diretamente. A terceirização é a ferramenta para reduzir custos sobretudo com a mão de obra.
Com a negociação direta aquela em que o trabalhador negocia com o patrão sem a mediação e proteção sindicais em momentos de crise aguda como a que ora vivemos só serve aos interesses do mercado e do capital. Tendo a crise como anteparo o mercado se utiliza dessa justificativa para fragilizar ou retirar direitos dos trabalhadores.
Este tema é também objeto de proposta legislativa e a Anamatra de forma abalizada diz textual e claramente que representa ‘efetiva precarização de direitos’. E acrescenta: “O que está se deliberando é pela formalização do desequilíbrio entre o capital e o trabalho e o enfraquecimento do tecido de proteção social dos trabalhadores”.
Eufemismo
Os representantes do capital ‘sofisticam’ na arte de tentar convencer pelas palavras. Isto não é novo mas é preciso atenção pois estão cada vez mais ousados. Há uma cruzada por exemplo contra a Justiça do Trabalho que acusam de ‘paternalista’. Contra essa ‘conversa pra boi dormir’ a Anamatra destaca que há cortes orçamentários da ordem de 90% dos recursos da Justiça laboral que afeta sobremodo a prestação jurisdicional.
O movimento contra a Justiça trabalhista justifica-se na visão do mercado pois sem essa mediação dificilmente se recuperaria o montante de recursos que deixaram de ser pagos aos trabalhadores pela burla da legislação laboral.
Pelos dados oficiais do TST entre 2005 e 2014 sem considerar os precatórios a Justiça do Trabalho ‘pagou em todo o Brasil principalmente em execução mas também por acordos a soma de R$ 125 bilhões aos credores valores correspondentes a direitos não respeitados no curso do contrato de trabalho e que foram restabelecidos e voltaram a circular de forma descentralizada no mercado consumidor’ destaca a entidade.
Custo do trabalho
A Anamatra de forma didática e direta demole a falácia do alto custo do trabalho ou mão de obra no Brasil. A nona economia do mundo capitalista tem um dos menores custos com o trabalho.
‘Tomando por base o salário mínimo o mercado de trabalho brasileiro registra um salário-hora da ordem de [apenas] R$ 4 enquanto nos EUA paga-se pela mesma hora mínima o equivalente a R$ 2331; na Alemanha R$ 2516; na Espanha R$ 1750; e em Portugal R$ 1540’ pontifica a nota da entidade que representa os juízes trabalhistas.
E segue: ‘Não há nenhum indicativo convincente de que empresas ‘quebrem’ por conta do modelo trabalhista brasileiro ou de que a economia tenha encolhido por conta da formalização do trabalho nos limites da CLT. Também é falso o discurso da baixa produtividade atribuindo-se essa ‘fatura’ à existência de um mercado de trabalho regulado.’
Cenários e soluções
A recessão e as altas taxas de juros produzem um cenário devastador na economia e por consequência nas relações de trabalho. Gastou-se mais do que se arrecadou. Assim inevitavelmente será necessário fazer ajustes. O grande problema é que a variável de ajuste é sempre o assalariado.
é preciso ler a crise com outros olhos. Quem lia antes e lê agora lê com os olhos de quem manda e não quer perder lucratividade. é preciso recolocar no centro da política a questão macrossocial.
é preciso quebrar o consenso neoliberal. Não aceitar por exemplo que 40% do orçamento federal sejam destinados a remunerar o capital financeiro. A questão da auditoria da dívida pública e sua renegociação precisam ganhar mais vozes e mediações pois do contrário a solução da crise sempre terá como alvo o trabalhador como variável de ajuste.
(*) Jornalista analista político e assessor parlamentar do Diap
Fonte: Diap’