O governo fechará 2019 com o menor número de contratações de servidores em quase duas décadas. Até outubro, 9.784 funcionários haviam entrado no Executivo federal por meio de concurso público, segundo o levantamento mais recente do Ministério da Economia. Nesse ritmo, o total de ingressos este ano deve ser o mais baixo desde 2001.
O número de servidores na ativa encolheu bem mais por causa do recorde no número de aposentadorias às vésperas da reforma da Previdência, promulgada no mês passado. Só nos primeiros dez meses do ano, foram 33.848. Assim, o saldo entre entradas e saídas de funcionários no Executivo federal está negativo em cerca de 24 mil trabalhadores este ano.
Em dezembro de 2018, havia 630 mil. A estimativa do governo é que o quadro de servidores ativos feche o ano em no máximo 613 mil com o menor ritmo de convocação de concursados de seleções já realizadas ainda válidas.
Os dados compilados pelo GLOBO revelam o resultado da política de enxugamento do serviço público capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Para especialistas, a baixa reposição é importante para racionalizar gastos com pessoal. Entidades ligadas aos servidores alertam, no entanto, para o risco de comprometimento dos serviços prestados à população.
Em 2018, a União nomeou 13.360 novos servidores. Para alcançar esse patamar este ano, precisaria contratar mais de 3.500 funcionários até dezembro. Isso significaria quase dobrar o volume mensal de ingressos registrado até agora. Não é o que o governo pretende.
Segundo o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, o plano é apostar em digitalização de serviços, remanejamentos, reformulação de carreiras e terceirização, com a contratação de mais funcionários temporários, para conter o peso da folha nas contas públicas:
— É um trabalho de ganho de eficiência e produtividade, uma mudança de perfil de profissional e também, como é de conhecimento de todos, consequência de uma restrição orçamentária que faz com que a gente tenha um cuidado ainda maior na hora de fazer contratações ou nomeações.
Queda de 50% até 2030
O freio na contratação é uma das ações recomendadas por especialistas para reequilibrar o Orçamento. Há duas semanas, a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, projetou que o governo pode reduzir pela metade o total de servidores ativos, para 383 mil, se não repuser nenhum aposentado até 2030.
O órgão que mais perdeu gente em 2019 foi o INSS, que concede aposentadorias e outros benefícios a trabalhadores do setor privado. Até a última quinta-feira, 6.006 funcionários do órgão haviam se aposentado e só três haviam sido contratados. As saídas no instituto respondem por quase 20% de todas as baixas no funcionalismo federal neste ano. Com a debandada, o quadro de servidores na autarquia caiu de 29 mil para 23 mil.
Para evitar um apagão, o INSS recorreu à digitalização de serviços e remanejamento de pessoal dentro do próprio órgão. Hoje, dos 96 serviços prestados pelo órgão, 90 podem ser feitos pela internet ou pelo telefone.
O número de funcionários dedicados apenas aos processos de pedido de benefício saltou de 2.751 para 6.686, mesmo com a redução no quadro geral.
Isso foi possível com a redução do pessoal em áreas menos essenciais, como a administrativa. Não faltam queixas dos usuários, mas Renato Vieira, presidente do INSS, diz que essa transformação está aumentando a produtividade do órgão.
Em outubro, foram decididos 977 mil pedidos de benefício, 49% a mais que os 655 mil processados em janeiro.
— Ninguém pode imaginar que, com menos servidores, a qualidade do serviço permaneça igual se nenhuma medida for tomada — diz Vieira.
Sindicatos criticam
A falta de contratações em outras áreas preocupa sindicatos ligados ao funcionalismo federal. Segundo Kléber Cabral, presidente do Sindifisco, que representa auditores da Receita Federal, o último concurso público para o órgão foi realizado em 2014.
— Em 2007, éramos 12 mil auditores fiscais. Hoje, pouco mais de 8 mil. A Receita está fechando unidades, delegacias e agências, não apenas por questões de restrição orçamentária, mas também por falta de pessoal. A galinha dos ovos de ouro vai acabar morrendo de fome — critica.
Maurício Porto, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa), reclama da dificuldade de convocação dos concursados aprovados em 2017. A seleção habilitou 547 candidatos, dos quais 247 foram para um cadastro de reservas. No último dia 21 de novembro, o Ministério da Agricultura recebeu autorização para nomear 100 desses aprovados, mas a categoria considera a reposição insuficiente.
— Hoje temos 2,5 mil fiscais em atuação, e o ideal seria 4 mil. É uma situação bastante crítica e um limitante para o crescimento do agronegócio e das exportações brasileiras — argumenta Porto.
Procurada, a Receita informou que a decisão sobre concursos cabe ao Ministério da Economia. A pasta disse que novos concursos estão suspensos e que a prestação de serviços à população não será prejudicada.
O Ministério da Agricultura, por sua vez, reconhece que há déficit de pessoal e informou que vem buscando reposição de 545 auditores fiscais agropecuários que se aposentaram entre 2017 e outubro deste ano.
“O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento vem buscando reposição de pessoal junto ao Ministério da Economia. Das solicitações realizadas, foi autorizado concurso público para 300 vagas de Auditores Fiscais Médicos Veterinários em meados de 2017, com posse dos concursados em julho de 2018. E agora o Governo liberou a nomeação de mais 100 Auditores Fiscais Médicos Veterinários deste concurso. Esses candidatos deverão ser nomeados ainda este anos”, disse a pasta em nota.
O Ministério informou ainda que também investe em digitalização comuacoes como a solicitação online Certificado Veterinário Internacional (em parceria com o antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão), a simplificação do processo de exportação de bebidas e do Cadastro Geral de Classificação de Produtos Vegetais e o registro automático de produtos de origem animal, de bebidas e de fertilizantes.
Na avaliação do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, há espaço para cortes no funcionalismo e redução de gastos. O impacto fiscal de aposentados é baixo, porque eles continuam na folha de pagamento como inativos, mas a redução dos concursos tem efeito no longo prazo.
— Existe um trabalho para reduzir (o quadro) sem perder eficiência. A sensação é de que tem muita gente sobrando — diz Velloso.
Uma portaria editada pelo governo em julho do ano passado flexibilizou as regras para transferências de funcionários entre órgãos e estatais, liberando os deslocamentos sem a necessidade do aval do órgão de origem do funcionário. Para Lenhart, da secretaria de Gestão, todas as medidas de contenção da folha têm como objetivo reforçar uma mudança de cultura no funcionalismo:
— Havia uma cultura de olhar para a trás e não para a frente quando vai fazer concurso público. Se tinha uma carreira com 600 vagas e 200 saem, a tradição era pedir mais 200. Só que isso não significa que você vai conseguir atender aos desafios do futuro.
Fonte: O Globo