O desafio dos bancos — ou bancões, no caso brasileiro, dominado por cinco grandes atores — não são as fintechs. Sem lucro e ainda sem a mesma experiência na concessão de crédito, essas instituições novatas não são a panaceia para o sistema financeiro que todos pensam que elas são. A ameaça aos bancos está dentro deles próprios, se não fizerem as mudanças que as fintechs evidenciaram ser necessárias.
Pelo menos, é o que acredita o advogado e pós-doutor por Oxford Jairo Saddi, um dos maiores especialistas em sistema financeiro no Brasil. As fintechs trazem, acima de tudo, a provocação que determinará quem sobreviverá ou não entre as grandes instituições a esse chacoalhão que a tecnologia e o mundo do big data estão trazendo a essa indústria.
Para Saddi, especialista em direito econômico e bancário, o que os bancos precisam conseguir nessa nova era é encantar o cliente e entender que devem ajudá-lo a ganhar dinheiro — e não “espoliá-lo” como é a crença do consumidor em relação a esse prestador de serviço. Para a pessoa física, cabe especialmente um trabalho voltado para a educação financeira, para ajudar o cliente na contratação do que é mais conveniente e acertado.
“A relação da Apple com o cliente, por exemplo, é absolutamente transparente. O cliente compra porque está encantado. Mas sabe que está pagando caro por isso. Banco precisa ter proposta de valor”, destaca ele.
Em uma visão quase revolucionária, Saddi, que conhece os meandros do setor — e os segredos — como poucos, entende que os bancos deveriam ser agentes de geração e da democratização — e não do aumento da concentração — de riqueza. E traz uma definição quase poética para o crédito: “Não há uma forma de antecipar desejos futuros no presente se não com crédito”.
Saddi não vê nas fintechs — nem no Pix, diga-se de passagem — nenhuma mudança fundacional para o sistema, pois oferecem essencialmente os mesmos produtos bancários, com uma melhor apresentação e facilidade de uso pelo cliente. “Se olhar bem, nem a redução de custo é uma verdade.” Elas trazem, portanto, evoluções superficiais, diferentemente do que fizeram os ATMs, criados em 1962, e o cartão de crédito, pelo sistema financeiro.
Ainda que a digitalização traga junto um processo de desintermediação financeira importante, Saddi vê poucas ameaças externas aos bancos. “O avô do Pix foi o cheque pré-datado, uma experiência muito bem-sucedida, que chegou a representar 80% do crédito concedido no país. O pré-datado tirou do banco a capacidade de dar crédito e deixou a relação direta entre credor e devedor.”
Para Saddi, dar crédito é uma ciência que só o tempo aprimora, “com processos, repetição e experiência”. E, portanto, se assim desejarem, as grandes instituições financeiras têm a faca e o queijo na mão — se mudarem cultura e atitude — para liderar a transformação, com muito mais recursos para investir em tecnologia e esse conhecimento, que não está disponível no mercado. “Pode parecer ingênuo achar que um banco pode encantar o cliente, mas é claro que pode.”
Saddi acaba de compartilhar seus pensamentos — e dados, muitos dados — em um livro Fintechs — Cinco Ensaios. O livro, editado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), está disponível sem custo. Em uma conversa leve e solta, ele pensou alto nessa entrevista ao EXAME In sobre tudo o que vem ocorrendo.
Além de suas considerações e experiências, o autor compartilha diversas planilhas, com dados agregados que oferecem desde uma perspectiva histórica até fotografias incômodas. Os bancos privados nacionais, embora concentrem, 53,75% do patrimônio líquido das instituições financeiras do Brasil, respondem por apenas 37,71% das operações de crédito. Essas transações estão a cargo dos bancos públicos, que respondem por 19% do patrimônio líquido e 48,14% das transações de crédito.
Fonte: EXAME