Uma sucessão de acontecimentos tem prolongado o aumento do número de processos judiciais. Primeiro, veio a expansão da força de trabalho e, depois, a crise econômica. As reclamações vêm crescendo há cinco anos consecutivos e devem continuar aumentando: depois de se expandir 45% entre 2011 e 2015, o número subiu 6,8% nos oito primeiros meses deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado, chegando a quase dois milhões.
A recessão foi a principal razão para o crescimento recente – entre 2014 e 2015, a alta foi de 7%. Especialistas explicam que em um período de desemprego, os trabalhadores enxergam as ações como uma potencial forma de obter algum ganho. Ao mesmo tempo, os efeitos de uma crise tendem a ser mais intensos em empresas de menor porte, que podem encontrar dificuldades para honrar seus pagamentos a funcionários.
Nos anos anteriores à recessão a explicação para a alta vinha justamente da situação oposta: com o crescimento econômico, muitos profissionais foram incorporados ao mercado de trabalho, o que aumentou também o número potencial de pessoas em busca de compensações judiciais.
Entre os anos de 2003 e 2013, quando a economia estava em expansão, só o número de empregos formais aumentou 65%, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Na década anterior, a alta havia sido de 29%.
Ao mesmo tempo, a internet – sobretudo com as redes sociais – ganhou força e mais usuários, o que permitiu uma circulação maior de informações sobre as leis trabalhistas, que encorajou as pessoas a buscarem seus direitos e contribuiu para alimentar essa tendência.
Um dos fatores que explica o grande número de falhas nas relações de trabalho e que desencadeia esse movimento é a complexidade da legislação brasileira, que permite diferentes interpretações sobre o que está previsto nas regras e dá margem a questionamentos na Justiça.
“Temos uma gama de decisões diferentes para um mesmo artigo. Depende do nível de convencimento do magistrado, que geralmente lê com base no ‘caso a caso’”, diz a advogada Juliana Crisostomo, do escritório Luchesi Advogados. Ela argumenta que Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), em vigência desde 1943, está defasada e não deixa claro o que é permitido por reunir quase mil artigos em um único documento, que sofreu diversas alterações ao longo dos anos.
Para o advogado Wagner Gusmão, do escritório Tristão Fernandes, a CLT é imperfeita ao tratar “do alto executivo como trata do operário”, sem especificações para níveis hierárquicos diferentes. O jurista também reconhece que a lei é complexa. “Tem um emaranhado de informações que confundem até os tribunais. Por isso, as empresas têm que se cercar de uma boa assessoria jurídica”, explica.
Contratos. Uma possível proteção seria a formulação de contratos mais precisos e específicos para cada tipo de relação trabalhista e função. O tema ganhou destaque no início do mês, com a nomeação dos pesquisadores Oliver Hart (Harvard) e Bengt Holmström (MIT) ao Prêmio Nobel de Economia. O estudo dos economistas constatou que não existem contratos perfeitos, mas, quando bem desenvolvidos e estruturados podem diminuir riscos e aumentar lucros. Os modelos criados por eles explicam, por exemplo, em que circunstância é melhor pagar um funcionário com um salário fixo ou através de bônus por produtividade.
O advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, explica que o cuidado ao firmar acordos é fundamental devido à existência do risco de a Justiça priorizar o que acontece no dia a dia do trabalhador no lugar de considerar o que consta no papel. É o que se chama de “contrato realidade” no meio jurídico.
“O que acontece vale mais do que o que foi redigido. Se eu te emprego para pagar R$ 1.000, mas desde o início te pago R$ 1.200, a Justiça entende que este é o seu salário, independente do que está escrito”, diz. Para ele, um contrato bem redigido e detalhado é a melhor ferramenta para minimizar problemas. “Se não tem lá que o empregado pode mudar de horário e ele muda, ele pode entrar na Justiça e irá ganhar a causa”, exemplifica.
Assim como um contrato bem estruturado ajuda a evitar embates judiciais, outros mecanismos também podem melhorar a relação entre empregadores e funcionários. Segundo o pesquisador Sérgio Lazzarini, do Insper, é necessário que haja uma fiscalização para checar se a empresa e o trabalhador estão cumprindo o que foi acordado e, aliado a isso, uma melhora nas punições legais para quem descumpre o combinado.
A disseminação de informações a respeito das companhias também é apontada pelo pesquisador como uma maneira de otimizar as relações contratuais. Ele explica que, à medida em que os profissionais conhecem a forma como aquela empresa trabalha, existem menos chances de os acordos envolvendo aquele empregador serem quebrados ou descumpridos.
“Aqui no Brasil, ou você tem uma relação recorrente entre as duas partes, que é baseada na confiança, como é o caso de um cabeleireiro: se ele não fizer um bom serviço eu não volto a ‘contratá-lo’; ou é preciso que haja disseminação de informações; indicadores de acompanhamento para mostrar se o acordo está sendo cumprido e punição exemplar para quem não seguir o combinado”, explica.
Um exemplo disso é a empresa Cielo, que há três anos passou a acompanhar de maneira mais minuciosa e periódica as práticas trabalhistas das companhias de quem terceirizam serviços, além de instituírem nos novos contratos multas para caso de descumprimento.
Segundo Lazzarini, a ineficiência dos acordos e o número alto de processos trabalhistas contra as empresas trazem um impacto negativo para a economia brasileira. Os gastos das companhias com advogados, por exemplo, poderiam estar sendo direcionados a novos investimentos. Além disso, os empresários muitas vezes repensam a contratação e as formas de remuneração dos funcionários, com receio de eventuais processos.
“A empresa fica mais receosa em contratar e também em fazer ações como remuneração diferenciada e compensações, com medo da reação dos sindicatos. Esses são os custos indiretos dos processos trabalhistas: o empresário não consegue implementar boas práticas e, no limite, até não emprega ou pensa duas vezes antes de expandir, principalmente os empreendedores menores. Então, a economia não evolui”, conclui.
Fonte: Estadão