Em 1º de janeiro de 2019, o salário mínimo ultrapassará R$ 1 mil pela primeira vez, dos atuais R$ 954 para R$ 1.006. Apesar de cobrir a inflação do período, o reajuste não vai garantir a elevação do poder de compra de quem recebe o piso
Receber R$ 52 a mais no fim do mês pode parecer irrisório para parte da população. Mas, para quem ganha um salário mínimo, esse dinheiro representa uma grande ajuda na hora de alimentar os filhos ou garantir remédios, em caso de doença. No ano que vem, o salário mínimo vai passar de R$ 1 mil pela primeira vez no Brasil. O reajuste dos atuais R$ 954 para R$ 1.006 vai representar uma ajuda extra para algumas pessoas, mas não vai aumentar o poder de compra delas.
Com R$ 52, o consumidor pode comprar 20 quilos (kg) de arroz, ou seja, quatro pacotes de 5kg. Na vida da doméstica Luiza Carla Soares da Conceição, 45 anos, o aumento pode dar um pequeno alívio. Segundo ela, a primeira preocupação é com as compras do mês. “Primeiro vem comida, papel higiênico, essas coisas básicas para a família”, explica.
Luiza mora com a filha no Jardim Ingá, distrito de Luziânia (GO). Ela lamenta que o preço dos produtos aumente com o salário.
“No fim das contas, a gente não consegue se planejar para utilizar o reajuste. Tudo sobe junto”, critica. A doméstica conta que é muito apertado pagar as contas de água, luz e aluguel. “Não sobra nada. É só o básico mesmo”, afirma.
Natural de Minas Gerais, Luiza admite que, às vezes, precisa recorrer ao cartão de crédito para conseguir passar o mês. “Eu tenho que dividir no cartão para conseguir comprar o necessário para a casa”, destaca. “A gente sobrevive porque o brasileiro não desiste nunca”, lembra, chateada com a situação.
O consultor e terapêuta financeiro Jônatas Bueno alerta que o salário mínimo é um valor muito baixo, que está aumentando cerca de 5%. “A inflação está projetada, para 2018, em 4,15%. Basicamente, o reajuste só corrige esse custo”, analisa. Bueno afirma que não há, de fato, elevação do poder de compra do consumidor. “É positivo cobrir a inflação. Pelo menos, o brasileiro não vai perder a capacidade de comprar, que se manterá a mesma. Isso é, de certa forma, bom”, constata.
Bueno indica que a melhor saída para as pessoas que recebem apenas um salário mínimo é investir na própria capacitação.
“Não dá para fazer quase nada com esse dinheiro extra. As pessoas vão comprar as mesmas coisas. Agora, para tentar aumentar o valor do salário, só se colocando como mais capacitado no mercado”, diz. Ele acrescenta que existem cursos acessíveis. “O custo é baixo. Com R$ 50 tem curso pela internet. Alguns são até de graça. Com isso, é possível se capacitar e não ficar para trás no mercado de trabalho”, aconselha.
Orçamento
Para quem tiver um pouquinho mais de folga no orçamento, como em uma família em que os membros somam dois salários mínimos, por exemplo, é interessante construir uma reserva emergencial. “Além de se pensar na capacitação, também indico guardar um pouco. Isso pode ajudar em alguns casos e prevenir muitos problemas”, alerta.
O professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) Newton Marques explica a dificuldade de um salário mínimo muito mais alto.
“A economia não se sustentaria. Eu, pessoalmente, gostaria que fosse mais alto. Mas o setor produtivo não suportaria pagar muito mais aos funcionários”, diz. Para Marques, se o aumento fosse maior, os empregadores poderiam optar por demissões ou terceirizações.
As decisões de governos anteriores também afetaram o valor do salário mínimo, na opinião do professor da UnB. “Houve uma certa negligência. Os governo anteriores deixaram o salário mínimo defasado. Agora, temos de lidar com isso”, ressalta, ao lembrar que o país passa, atualmente, por uma recessão econômica.
Marques explica que o salário mínimo é muito importante para os setores desorganizados. De acordo com o economista, o sindicalismo funciona para a justiça salarial das categorias organizadas. “A economia é muito dinâmica. As classes organizadas conseguem seus aumentos. Os desorganizados, não. Se todos tivessem aumento, ocorreriam mais demissões. O país ainda está em recessão”, constata.
O professor também observa que, pelo fato de o salário mínimo ser base para benefícios como aposentadoria e pensão, por exemplo, elevados reajustes podem aumentar o rombo da Previdência. “Os benefícios têm como base o salário mínimo. Isso é ainda mais grave em estados e municípios”, destaca. Para ele, é preciso, primeiro, que a economia volte a crescer para acabar com problemas que envolvem a Previdência Social. “É legítimo distribuir renda, mas não em um momento de recessão econômica”, frisa.
Miséria
O salário mínimo vai aumentar, mas ainda há uma considerável parcela da população que não tem nem isso para receber. Para essas pessoas, a dificuldade é ainda maior. “Eu sempre tento comprar os alimentos mais básicos, como arroz e feijão. Eu fico feliz de terem aumentado o salário, mas não faz diferença porque eu não recebo nada”, lamenta Cristiana Galdino. Desempregada, a moça de 33 anos sobrevive com os bicos que o marido faz para sustentar a família.
“É muito difícil para a gente conseguir emprego. Quando eu falo que moro na Estrutural, me excluem na hora”, critica. Cristina acredita estar cada vez mais difícil arranjar trabalho para ajudar em casa. “A gente vai continuar vivendo com o que dá. Arroz, feijão, uma carne quando é possível”, diz.
Na família de Fernando Sousa e Tamires Matos Sousa não é diferente. Desempregados e abalados pelo fechamento do lixão na Cidade Estrutural, a família não conseguiu um rendimento para livrá-los de dias difíceis. “Agora, não pego mais nada. Estou procurando bicos para fazer, mas não aparece nenhum”, lamenta Fernando.
O casal tem quatro filhos e, no barraco, moram outras duas pessoas. Todas desempregadas. “Aqui é difícil. A gente pega o dinheiro dos bicos e compra arroz, feijão e só”, destaca. Para ele, ter R$ 50 a mais no final do mês seria um “adianto na vida”. “Faria muita diferença para quem não tem nada.”
Fonte: Correio Braziliense
Diretoria Executiva da CONTEC