Atualmente, 35% das startups financeiras (fintechs) instaladas no Brasil têm como foco produtos e serviços voltados à inclusão financeira. Os dados recentes são do blog de serviços financeiros digitais Finnovation e compõem um estudo feito em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e a aceleradora Finnovista, que mapeou 377 startups no país. No próximo levantamento, que será divulgado até o final do ano, o número de fintechs ultrapassará 400 no país, adiantou Guilherme Horn, líder de Inovação da Accenture e editor do blog Finnovation.
Um dos casos mais conhecidos de impulso à bancarização no país é o do Banco Digital Maré, um dos vencedores da última edição do 3º Ciab Fintech Day, destaque do CIAB FEBRABAN 2018, congresso de TI para o setor financeiro. Criado em 2016 para atender cerca de 200 mil moradores de 17 comunidades que compõem o Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, onde não há agências bancárias, o Banco Maré conquistou a comissão julgadora do CIAB ao apresentar um aplicativo que permite aos usuários comprar no comércio local e também pagar suas contas e fazer transferências, por meio de QR Code. O Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil) é parceiro da startup na iniciativa.
De acordo com Alexander Albuquerque, CEO do Banco Maré, a empresa agora trabalha no desenvolvimento de um aplicativo, tanto de identificação digital quanto de reconhecimento facial, para ajudar os beneficiários do Bolsa Família, que precisam ir até uma agência da Caixa para receber o auxílio. “Queremos algo que valide que aquela pessoa realmente existe, e, assim, possa receber o benefício em um local mais perto de sua casa, ou até mesmo por meio do aplicativo”, diz.
A Caixa Econômica Federal levará os serviços financeiros do Banco Maré para Arapiraca, no interior de Alagoas. Após a participação no CIAB, a fintech passou a ser residente do Cubo Itaú, centro de inovação e empreendedorismo do banco. “Esperamos que o Banco Maré cresça 30% ainda neste ano, mas nos disseram que é possível chegar a 75% de incremento”, prevê Albuquerque.
A Ewally, outra fintech vencedora do CIAB Fintech Day 2018, desenvolveu um app que permite pagar contas, transferir dinheiro, fazer cobranças e recarga, sem comprovação de renda. O modelo de negócio está previsto na lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, que possibilita o funcionamento de arranjos e instituições de pagamento. Segundo o Banco Central, a legislação aprimora o processo de inclusão financeira para um cidadão sem conta corrente e sem acesso a serviços de pagamento tradicionais.
Entre os parceiros da Ewally estão a Rede 24 Horas, Bradesco Expresso e Alelo. Segundo Andre Cunha, CEO da fintech, quando a plataforma foi criada, no último trimestre de 2012, o objetivo era promover a inclusão financeira e dar ao não bancarizado a mesma experiência que o bancarizado tem.
“O negócio evoluiu e, atualmente, temos APIs [plataformas que possibilitam a terceiros acessar partes importantes de um servidor e bancos de dados para criar nova aplicação] que permitem que empresas e instituições também usem nossos serviços”, informa Cunha.
A Ewally participou da segunda edição do inovaBra startups e hoje é habitante do inovaBra habitat, que faz parte dos oito programas do ecossistema inovaBra, do Bradesco, criado para promover a inovação dentro e fora do banco. Após o CIAB, a fintech também foi uma das seis selecionadas para participar da segunda edição do boostLAB, programa de potencialização do BTG Pactual, em parceria com a aceleradora latinoamericana ACE.
Aposta no Crédito
Os bancos também voltam suas atenções para fintechs de empréstimos. A Lendico, fintech de concessão de crédito digital que trabalha em parceria com os bancos CBSS e BMG, começou suas operações no Brasil em julho de 2015. Mensalmente, a empresa recebe, em média, 160 mil pedidos de empréstimo por meio de seu site, e, ao todo, já emprestou R$ 220 milhões.
Mylena Maurutto, diretora financeira da Lendico, acredita que o relacionamento entre fintechs e instituições financeiras é saudável para o consumidor, para os bancos e para as startups. “Trazemos uma otimização operacional importante para o banco e uma expertise de captação de clientes no mundo digital”, diz. “As parcerias com os bancos funcionam porque cada um respeita muito bem o seu negócio.”
Dois terços das fintechs que nascem hoje, no mundo todo, têm como objetivo firmar algum tipo de parceria com os bancos, segundo Guilherme Horn, da Accenture e do blog Finnovation. “Isto não é diferente no Brasil; quem pode ser o maior beneficiado deste movimento é o usuário final, que terá acesso a produtos mais simples, baratos e personalizados.”
Exemplos nos grandes bancos
Os grandes bancos também apresentam cases de sucesso voltados para a inclusão financeira. Em 2016, o Santander comprou a fintech Superdigital, voltada a usuários que tenham conta em banco ou não. Quando adquirida, a empresa tinha cerca de 150 mil usuários e, hoje, conta com 1,2 milhão de clientes.
O aplicativo cobra uma assinatura mensal que varia entre R$ 7,90 e R$ 11,90 e permite que o usuário faça transações usando uma interface semelhante a um aplicativo de conversas. O cliente pode rachar contas pelo chat e fazer vaquinhas digitais, o que inclui mandar e receber transferências de bancos tradicionais. Também pode recarregar celulares pré-pagos e cartões de transporte público, pagar contas, fazer saques nacionais e internacionais e compras online ou em lojas físicas.
Segundo Fernando Miranda, diretor de Novos Negócios do Santander, a Superdigital registra R$ 3 bilhões em transações anuais e, atualmente, está mais voltada para as classes C, D e E. “A inclusão digital é um dos pilares do Santander”, diz. “Não se trata apenas de bancarização, e sim de inclusão financeira, já que em muita região do Brasil, a bancarização se faz muito mais complexa.”
A Caixa Econômica Federal lançou em 2016, em parceria com a ONG Artemisia, um desafio de negócios de impacto social que mapeou 460 startups com as soluções mais inovadoras do país em serviços financeiros para a população de baixa renda. Desse total, foram selecionadas 15 empresas, na primeira etapa da iniciativa, que contou com investimento do Fundo Socioambiental (FSA) Caixa.
Na segunda etapa, cinco delas (Poupe Mais, Quero Quitar!, SmartMei, Jeitto e DimDim) foram escolhidas para receber até R$ 200 mil destinados a financiar o uso dessas soluções pelo público beneficiário. “O desafio lançado mostrou o alto potencial de impacto social representado por negócios que têm vocação para promover a inclusão financeira da população de menor renda”, afirmou o banco, em nota.