Para especialistas, empresas devem ajudar a controlar alto índice de ansiedade e estresse, gerados por incertezas do momento, carga horária descumprida e cobrança por produtividade
Há mais de 50 dias trabalhando de casa, a servidora pública Maria Cláudia Mendes, de 33 anos, foi surpreendida com sintomas de ansiedade nunca antes vivenciados. Embora o cargo a garanta uma dose de estabilidade, o receio de um possível corte de salário associado à cobrança por produtividade e a medos comuns na pandemia do novo coronavírus a levaram a episódios de taquicardia e insônia. “Logo eu, que sou conhecida por dormir até no meio da balada”, diz.
A história de Maria Cláudia se parece com a de muitas outros profissionais que têm convivido com a ansiedade. Uma pesquisa realizada pela startup Pulses, que desenvolve ferramentas para medir o clima organizacional, apontou que 54% dos entrevistados estão tendo níveis de ansiedade médios e altos durante a quarentena. Entre eles, as mulheres são as que se sentem mais ansiosas.
“O contraponto disso tudo é que 80% se sentem superprodutivos. Esse excesso começa a gerar mais ansiedade e estresse. A grande preocupação é que, lá na frente, isso pode levar a um aumento de doenças como o burnout (esgotamento profissional)”, destaca o CEO da Pulses, Cesar Nanci. Foram ouvidos mais de 89 mil funcionários de 261 empresas nacionais (73% são startups ou pequenas, 18% são de médio porte e 9% são grandes) para a pesquisa, que está disponível gratuitamente para as organizações.
Um estudo da Universidade do Estado do Rio (Uerj), publicado online pela revista The Lancet na última semana, ainda revelou que casos de ansiedade e estresse mais do que dobraram, enquanto os de depressão tiveram aumento de 90%, durante a pandemia da covid-19 no Brasil.
Primeiro, é preciso entender o que é exatamente a ansiedade. “Sentir um pouco é natural. Ela vira um transtorno quando começa a atrapalhar a vida e a capacidade cognitiva. O pensamento fica acelerado, atrapalha o sono, surgem efeitos fisiológicos como taquicardia, sudorese, falta de ar”, explica a psicóloga Luciene Bandeira.
Compreender os gatilhos que levam uma pessoa aos sintomas da ansiedade fica ainda mais fácil durante uma pandemia. “É uma mudança na rotina, inesperada e indesejada. A frustração deixa as pessoas mais sensíveis e irritadas. Junta a isso um monte de medos e incertezas: medo de pegar a covid-19, perder alguém que ama, ficar sem emprego, ter o salário reduzido. Toda incerteza gera medo e ele, muitas vezes, é o fermento da ansiedade.”
Por isso, é preciso que as empresas assumam a responsabilidade de ajuda no cuidado da saúde mental dos funcionários. Para Ruy Shiozawa, CEO da Great Place to Work Brasil, consultoria global de organizações, o novo normal – que surgirá após a pandemia do coronavírus – deixará em evidência o maior cuidado na gestão de pessoas.
“A visão tradicional de que a vida profissional é uma coisa e a pessoal é outra está caindo por terra. A saúde mental é mais delicada porque existe preconceito. A empresa não quer ouvir, e a pessoa não quer falar para que isso não deponha contra ela. É absolutamente normal que as pessoas estejam com medo e preocupadas. O que não podemos é fazer de conta que não existe. Isso também afeta a produtividade”, explica.
Empresas prestam assistência psicológica
Para ir na raiz do problema, muitas empresas têm investido no acompanhamento psicológico para os funcionários. Na GetNinjas, aplicativo de contratação de serviços, a demanda veio dos próprios colaboradores por meio de uma ferramenta que avalia o clima interno.
Com o pedido, a organização selecionou os cinco psicólogos mais bem avaliados de sua base de serviços, e os cerca de 100 funcionários têm direito a quatro sessões mensais de 50 minutos, gratuitamente, mesmo após o fim da pandemia. Em duas semanas desde o lançamento, a iniciativa teve adesão de 25% dos colaboradores.
“O Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que o Brasil é o País mais ansioso do mundo, são 18 milhões de pessoas impactadas pela ansiedade e isso traz a depressão. O ser humano está sendo tirado da zona de conforto. Tem muita empresa só mandando cadeira, computador. Mas como as pessoas estão se sentido, como trazemos conforto emocional?”, destaca a diretora de Pessoas e Cultura da empresa, Andréia Girardini.
O analista financeiro Gabriel Alves, de 22 anos, foi um dos funcionários que aderiu ao programa. Ele diz que, antes da pandemia, já era um pouco ansioso e estressado, mas os sintomas se agravaram com o isolamento social e o home office.
“Eu tento manter uma rotina. Acordo, tomo café, banho e começo a trabalhar, mas acabo me sentindo mais ansioso, não só pelo trabalho, mas pela vida pessoal também. Eu perco o sono, deito e fico pensando no futuro, se eu estarei empregado, ou lembro de algo do trabalho que eu poderia ter terminado de fazer, acabo levantando e fazendo. Eu sempre roí unhas, mas agora se agravou bastante”, conta.
Além do acompanhamento psicológico, a psicóloga Luciene Bandeira também destaca que atividades associadas à saúde física contribuem para um impacto positivo na saúde mental.
Na Wavy Global, empresa do segmento de experiência do consumidor, a aposta foi em implementar momentos de descompressão para os cerca de 300 funcionários no Brasil, como aulas de ioga, meditação, ginástica laboral e happy hour virtual com música ao vivo.
“Ainda que a empresa já tivesse alguns funcionários em trabalho remoto, não estamos no home office tradicional. Percebemos que precisávamos focar nas pessoas porque iriam surgir demandas, até mesmo casos de ansiedade”, explica a diretora de gente, Marcela Martins.
Embora não sejam obrigatórias, as atividades costumam ter bastante adesão, diz Marcela. “Da ioga e da meditação mais de 50% dos funcionários participam. Nos encontros com música ao vivo – feita pelos colaboradores que têm banda, que cantam – a adesão é de quase 80%.”
Comunicação transparente e limites do home office
Um dos pontos mais importantes no momento é a comunicação com os funcionários. “Não é porque estamos trabalhando de modo remoto que a proximidade não pode existir. Você tem muitas ferramentas a disposição para dialogar, para saber das ansiedades. É na comunicação oficial da empresa que percebemos mais falhas”, afirma o CEO da Great Place to Work Brasil.
O conselho dos especialistas é claro: seja sincero com o colaborador. Não dizer nada pode levar a níveis de ansiedade maiores. “O plano da empresa precisa ser transparente. Pegando as pessoas de surpresa você cria uma cultura do medo”, explica Shiozawa.
É justamente a comunicação aberta que tem ajudado a farmacêutica Lívia Freitas, de 24 anos, a lidar com a ansiedade e a síndrome do pânico, já diagnosticados há cinco anos. Funcionária de uma empresa do segmento de pesquisas clínicas, ela conta ficar mais tranquila diante do modo com que os chefes têm se relacionado com os funcionários.
“Já recebi mensagem da minha chefe perguntando como eu estava me sentindo. Semanalmente, temos reuniões para discutir projetos e, no final, conversamos um pouco sobre como tem sido passar por tudo isso. Também já tivemos uma reunião com o administrativo e eles deixaram claro que manterão o home office, os salários e os benefícios.”
Trabalhar de casa pode ser prazeroso e produtivo, mas o despreparo de empresas com o home office faz com que os horários não sejam respeitados. “Um relato comum é que estão trabalhando mais horas, que tem sido difícil colocar limite. Isso está gerando desgaste, o que pode levar a muitos casos de burnout”, conta a psicóloga Luciene.
A pressão pela produtividade, ao lado das notícias sobre o coronavírus e o isolamento social morando sozinha, deixou a assessora judiciária Marcela Machado, de 28 anos, ansiosa. “A desvantagem do home office nessa época é que, por não termos muitos compromissos, acabamos trabalhando muito mais tempo. Já cheguei a trabalhar 12 horas seguidas, o que não significa que rendi bem. Parece que em casa sou mais devagar”, conta. Mesmo usando ansiolítico, Marcela tem sentido dificuldade para dormir.
A preocupação com o trabalho também é motivo para a ansiedade da bacharel em direito L.S. “As pessoas não respeitam o horário. Se eu não fugir do WhatsApp, sou bombardeada o dia inteiro. Já tive que colocar o celular no modo avião para não ser encontrada nos horários que eu não estaria trabalhando se ainda estivesse indo ao local físico. A cobrança por produtividade está cada vez maior.”
Para começar a lidar com episódios de ansiedade
Use a respiração diafragmática: Quando sentir que está começando a ficar inquieto, com agitação, tremor, batimento cardíaco acelerado, coloque as mãos na barriga, puxe o ar pelo nariz inflando a barriga como um balão, e solte o ar lentamente pela boca. Repita de 3 a 10 vezes.
Respire dentro de um saco de papel: Quando ficamos ansiosos tendemos a respirar mais rápido e de forma mais curta. Isso provoca hiperventilação que desencadeia sintomas como tontura e taquicardia. Coloque a boca e o nariz dentro do saco e respire. Assim, o gás carbônico equilibra os níveis de oxigênio no organismo.
Liste as preocupações: Escreva todas as preocupações em um papel e depois classifique quais dependem de você e quais não te dizem respeito. A partir daí, dê atenção apenas àquelas sobre as quais você tem algum poder de interferência.
Fonte: Estadão